Revista Inventiva n.º 21 Jun 1975 Boletim CIDEF N.º 1

30-06-1975 12:05

Cabeçalho do Boletim do CIDEF n.º 1 - Junho de 1975

NOTA DE ABERTURA

 

O deficiente físico ocupa na sociedade um lugar igual ao de todos nós A sua capacidade produtiva pode ser idêntica à de todos os homens, desde que se lhe ponha à disposição meios técnicos quo possam prepará-lo para desempenhar o lugar que lhe cabe, nesta sociedade. Este princípio é a mola desencadeante da actividade da Centro de Inovação para Deficientes Físicos (ClDEF). O Centro existe na mente de alguns há muitos anos, mas a sua concretização efectiva não tem mais de um ano. É ao completar este ano de actividade que se publica este primeiro Boletim do CIDEF. O objectivo que se pretende alcançar, com a edição bimestral deste boletim é informar os Deficientes Físicos Portugueses da mais moderna aparelhagem protésica existente no pais e no estran­geiro. É consequência imediata desta divulgação fomentar, estimular apoiar to­dos os inventores portugueses na realização das suas ideias nestes campos. Pelos objectivos que pretendemos atingir pressupõe-se que não há qualquer intenção lucrativa nesta acção. Daí o Boletim ser gratuito. Mas esta gratuitidade não vem das nossas disponibilidades económicas. é antes consequência da colaboração da revista INVENTIVA, órgão da Associação Portuguesa para Invenção e Inovação.

Aproveitando esta possibilidade de editar um Boletim atingimos um dos nossos objectivos — dar a todos a oportunidade da informação não só dos avanços técnico-científicos já alcançados, mas também de todos aqueles que se venham a concretizar em Portugal.

 

Para uma história do CIDEF

Cento e cinquenta contos para comprar um aparelho, um estágio de um mês de um monitor nos E U. ou na Suécia o sensivelmente um ano de aprendizagem chegam para um cego poder ler qualquer tipo de escrita.

Professora a ensinar uma criança cega e ler usando o OPTACON

Cento e cinquenta contos é o preço de um aparelho visuo-táctil, actualmente fabricado nos E. U.. Em 1967, a descoberta deste aparelho foi motivo para caixa alta em jornais de quase todo o mundo. No entanto, em 1957, regista a sua patente um inventor português. É também ao seu nome que estão ligados quase vinte anos do esforços baldados e a quem se deve a criação do CIDEF — Jaime Filipe.

A sua história é a «pré-história* do CI­DEF que em 25 de Junho, completará um ano.

Em 1957 Jaime Filipe regista a patente deste sistema que lhe vem a valer, em 1972, no Salão Internacional de Inventores de Bruxelas, uma medalha de ouro. A medalha de ouro é atribuída à invenção de um sistema visuo-táctil que poderia pôr os cegos a ler todos os tipos de escrita num curto espaço de tempo e ainda a observação visual das imagens do meio ambiente que os rodeiam. No entanto, em Portugal, não se dá qualquer apoio a Jaime Filipe nem tão pouco se faz eco deste sistema. Mas em 1967 os jornais dão títulos de caixa alta à grande invenção dos Dr. Collins e Dr. Bach-y-Rita porque nos E. U. se inventou um sistema visuo-táctil importante. 

Jaime Filipe, após alguns esforços, consegue um subsídio para ir aos E. U. contactar os célebres inventores o interessá-los na construção dos aparelhos em Portugal. Consegue. Mas não consegue o apoio em Portugal, apesar do pedido de muitos subsídios, incluindo a Fundação Gulbenkien. 

Como Jaime Filipe é membro da Associação Portuguesa para a Invenção e Inovação expõe, através desta, o seu invento na FIL em 1972. Aí pede, ao então ministro da educação,Veiga Simão, um subsídio para prosseguir as suas investigações. Este subsídio vem a ser atribuído através da inserção das investigações no Instituto do Oftalmologia Gama Pinto. 

Mas a burocracia acaba por atrasar o levantamento da verba no ano em que foi atribuída. É feito o pedido da transferência para o ano seguinte. Mas o processo é demasiado lento.

OPTACON

Estamos em 1974. Entretanto Jaime Filipe toma contacto com António Neves. deficiente das Forças Armadas. António Neves, deficiente físico, sendo cego e biamputado dos membros superiores, constrói e desenvolve adaptações, com o apoio do seu monitor Carvalho Dias, próteses que o tornam apto a desenvolver uma actividade normal. Este conhecimento é o argumento decisivo para Jaime Filipe fundar um Centro independente dentro da A. P. I. I. que pode dar personalidade jurídica, desde início, ao centro.

A primeira reunião do ClDEF é em 25 de Junho de 1974. É nesta reunião que se estabelecem os objectivos do ClDEF:

— divulgar todo a moderna aparelhagem protésica já existente;

— apoiar os inventores portugueses para que as suas ideias neste campo não se percam, e mais, sejam possíveis de concretizar;

— investigar as novas técnicas e testá-las:

— formar instrutores na utilização de novos meios de ajuda desconhecidos em Portugal;

— estabelecer intercâmbios e ideias e realizações com os mais diversos países do mundo.

A actividade do ClDEF durante este ano foi de relações públicas porque não havia dinheiro, nem meios para mais. A primeira acção foi tratar da transferência da verba atribuída para investigações ao Instituto Gama Pinto para o ClDEF. É um processo em curso e que esperamos de breve resolução. 

Foram contactadas todas as Embaixadas creditadas em Portugal, que forneceram o nome dos centros existentes nos respectivos países. Assim, já obtivemos resposta da Alemanha, Suécia, E. U.. México, Espanha, Brasil, França, Turquia entre outros. Mais recentemente foram contactadas as Associações de Portugal- República Democrática Alemã e Portugal-URSS. 

Estes são factos para a história do ClDEF. A sua evolução será aquilo que os nossos esforços, os dos que se interessarem por estes problemas e principalmente o apoio económico e técnico que nos vier das entidades governamentais, puderem construir.

 

«Monitor e deficiente 
colaboração criativa»

 

Em Julho 1972, António Neves é vítima, durante a instrução militar, da explosão de uma granada. Como consequência imediata desde acidente, fica cego e biamputado dos membros superiores. Telefone adaptado

Desenvolve-se então todo um processo de reabilitação que em Abril de 1973 o põe em contacto com Carvalho Dias, monitor do Centro que frequentou até Outubro desse ano. Foi um caminho de colaboração do qual hoje um dos resultados — adaptação utilizada para marcação de números telefónicos. 

Escolhemos este, como primeiro resultado a apresentar, porque é reflexo do espirito de cooperação e do que se pode construir a partir de uma ideia base. Desta adaptação há uma parte que é sugerida a trabalhada em conjunto com o monitor — a punção. António Neves regressa a Angola, onde vivia, e vai continuar a desenvolver o trabalho começado. Assim, a partir de uma ideia base, acaba por construir  uma adaptação completa que o liberta de uma dependência sistemática. 

Amputado a marcar números de telefone

Mas esta não é a única inovação resultante de um trabalho de colaboração. Há ainda a da máquina de escrever e respectivas adaptações e a bengala em alumínio para a locomoção. As adaptações para as teclas de gravador e braço articulado removível para premir teclas de gravador e adaptações para uso normal de uma cana de pesca são já inovações de António Neves, que só foram possíveis devido a um trabalho inicial de conjunto e de um esforço de recuperação.

Hoje apresentamos, essencialmente, o trabalho de colaboração que conduziu a um maior aperfeiçoamento e inovação. No próximo boletim contamos apresentar alguns trabalhos realizados por Carvalho Dias com outros deficientes.

Esquema da adaptação para números de telefone

ADAPTAÇÃO UTILIZADA PARA NÚMEROS TELEFÓNICOS
 

1 - Parafuso Rosca de Ferro
2 - Anilha metálica
3 - Peça torneada em metal
4 - Peça torneada em metal e soldada ao parafuso central
5 - Fecho em metal
6 - Peça torneada em metal 
7 - Punho em borracha
 
 

 

Concurso Internacional de Invenção
Cartaz do 1.º concurso internacional de invenção

A Associação Nacional dos Inválidos Civis de Espanha (ANIC) numa tentativa de incentivar a investigação no campo de auxilio aos diminuídos físicos, promove o seu 1.º Concurso com prémios no valor de 3.000.000 de pesetas. Há dois tipos de temas para os trabalhos a apresentar: próteses artificiais para membros diminuídos ou qualquer outra zona afectada. O segundo tema sugere aparelhos destinados à deslocação e métodos do reabilitação.

Podem ser congressistas inventores de qualquer nacionalidade com a condição de o seu invento trabalho ou método ser absolutamente inédito e original e não ser comercializado em nenhum país. A apresentação dos trabalhos deve ser feita até ao último dia do mês de Outubro de 1975.

Para mais esclarecimentos acerca do concurso pode contactar o CIDEF. 

 

Cadeira "Articulada"

Pessoa em pé numa cadeira de verticalização a usar uma cabine telefónica públicaApresentamos uma das últimas novidades chegadas ao CIDEF. Trata-se de uma cadeira de rodas articulada, da qual se mostram duas fotografias.

Como é visível pela fotografia a principal vantagem desta cadeira é poder proporcionar, especialmente a paraplégicos e miopáticos, uma posição vertical em perfeita segurança, mantendo simultaneamente uma mobilidade e uma independência totais.

Portanto, para além da vantagem imediata, há a considerar todos os benefícios de ordem psicológica, sócio-económica e profissional que daí advêm.

Processo de verticalização de uma pessoa em cadeira de rodas

 

 

Ortótese Mioeléctrica ORTHOMOT OM1

Sistema Protésico Mioeléctrico

 

A firma Viennatone acaba de produzir com base nas experiências realizadas no Centro de Reabilitação Tobelbad sob orientação do Prof. Dr. Zrubeky, um aparelho destinado à correcção e terapêutica de atrofias musculares dos membros superiores.

O aparelho que tem a designação de ORTHOMOT OM1, é constituído por um sistema articulado, comandado mioelectricamente.

Assim o deficiente está novamente em condições de executar as funções simples da vida diária - comer, beber, fumar e trabalhos manuais simples. Num próximo número descreveremos mais em pormenor esta interessante prótese.

Pessoa a alimentar-se com ortótese mioeléctrica

 

 

Correio do Leitor

 

Pretendemos com esta coluna dar oportunidade a todos os leitores de colaborarem com este Centro, dando sugestões, particularmente no campo da inventiva e recebendo informações. Hoje apresentamos o excerto de uma das cartas já chegadas ao CIDEF.

 

 «Tendo ouvido na rádio e na televisão falar na existência de um novo aparelho para invisuais, gostaria de saber como se poderá adquirir e onde.»

Maria Suzete-Penamacor

 

Há um aparelho já comercializado nos E. U. que se destina à leitura de qualquer texto impresso em escrita corrente, utilizando processos de televisão. O referido aparelho denomina-se OPTACON (que é referenciado na 1ª pág. do Boletim), mas não possuímos nenhum em Portugal. O seu custo é relativamente elevado e a aprendizagem da sua utilização pode ser um pouco morosa.

 

Tive conhecimento da existência do CIDEF pelo programa que apresentaram na Televisão. Há muito que me interesso por investigação científica no campo da aplicação a deficientes físicos. Possuo uma pequena oficina onde já tenho efectuado alguns trabalhos para um amigo meu, deficiente físico militar. Ofereço a minha colaboração ao CIDEF e felicito-vos pela iniciativa pois vêm preencher uma lacuna importante no nosso meio tão limitado neste campo.

A. C. Dias Lisboa

 

Ex.m° Senhor Dias

Muito gratos pela sua carta, ficámos muito interessados na sua colaboração. Se tem ideias envie-nos pois as estudaremos e lhes daremos a necessária divulgação se as julgarmos de interesse.

 

ARTUR CARLOS M. COELHO — LISBOA

Recebemos da parte deste senhor um recorte de um jornal que divulgava a comercialização em 1976, na Alemanha, de um aparelho que permitirá aos cegos a deslocação na rua sem o auxílio de bengalas ou cães. Permite ainda subir ou descer escadas facilmente. Contactámos alguns centros de reabilitação na Alemanha que não nos souberam informar. No entanto continuamos a tentar localizar tal informação, tanto mais que segundo a notícia o seu preço não excederia os 10 mil escudos. Logo que tenhamos mais informações abordaremos o assunto neste boletim. 

 

Referência:  Filipe, Jaime – “Para uma história do CIDEF”. Inventiva n.º 21. Associação Portuguesa para a Invenção e Inovação. Junho 1975.

Ficheiro pdf (671 kB): Inventiva nº 21 CIDEF nº 1 Junho 1975

Conversão por OCR revista por José Pedro Amaral